A atomoxetina foi desenvolvida como um antidepressivo, com mecanismo de inibição seletiva da recaptação de noradrenalina. Por apresentar ações mais claras em aspectos cognitivos e efeito antidepressivo inconsistente, a substância ganhou outro fim.
Em 2023, ela foi aprovada pela ANVISA para o tratamento de sintomas do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O registro do medicamento Atentah® aconteceu em julho, com chegada recente ao mercado brasileiro. O registro é recente, mas o fármaco, nem tanto.
Medicamento novo, de novo
A atomoxetina já foi comercializada no Brasil como Strattera®, nome comercial usado com frequência no exterior. Até 2014, a Eli Lilly buscava garantir a exclusividade de venda e limitar a produção de genéricos. O medicamento saiu do mercado brasileiro em 2016, após o registro do Strattera® caducar. O registro do medicamento não foi renovado, possivelmente sob a justificativa da abertura do mercado para medicamentos genéricos e similares.

Curiosamente, nenhum outro medicamento contendo a atomoxetina foi registrado até 2023. Se eu tivesse que adivinhar o motivo, eu diria que as vendas do fármaco podem não devem ter sido relevantes nos anos anteriores, reduzindo o interesse da indústria até mesmo para a produção de genéricos.
Tradicionalmente, o manejo farmacológico do TDAH se baseia na prescrição de anfetamínicos (a lisdexanfetamina, conhecida pelo Venvanse®) e derivados (o metilfenidato, mais conhecido como Ritalina®). Isso, sem dúvidas, pode ter reduzido o interesse em uma nova opção terapêutica. De fato, a atomoxetina recebeu pouca atenção, na época. Levando em conta o perfil do fármaco, o cenário pode ser diferente hoje em dia.
Atomoxetina como opção não-estimulante
Diversas diretrizes clínicas (veja aqui e aqui) trazem o fármaco como opção mais segura e igualmente eficaz quando comparado ao metilfenidato. A atomoxetina é adotada no tratamento do TDAH há anos em alguns países, então nada aqui é uma novidade absoluta.
Contudo, ela tradicionalmente constava como "segunda opção" ao metilfenidato, mesmo havendo estudos que atestavam eficácia clínica comparável. A atomoxetina era reservada a pacientes com contraindicações específicas - como histórico de abuso de substâncias - ou que experimentavam efeitos indesejados intensos, como perda de fome/peso, bruxismo e ansiedade, que são relativamente comuns.

Existe uma tendência em reduzir a prescrição de anfetamínicos e derivados para o TDAH, especialmente na população pediátrica. Provavelmente, isso reflete o perfil de segurança limitado desses medicamentos. Os anfetamínicos e derivados têm efeitos psicoestimulantes claros, com aumento na liberação de noradrenalina e dopamina. Ações dopaminérgicas parecem estar por trás dos efeitos reforçadores ("prazerosos") que podem resultar em dependência e uso abusivo dessas substâncias. A estimulação noradrenérgica intensa estaria por trás da perda de fome (que pode ser um problema grande, em crianças), ansiedade e alterações cardiovasculares.
Nesse sentido, a principal vantagem da atomoxetina é não apresentar perfil psicoestimulante. Sua ação é restrita à inibição de recaptadores de noradrenalina, com efeitos mais sutis nessa via de neurotransmissão. Por isso, o perfil indesejado seria menos frequente, além de não haver risco de dependência.
Atomoxetina vs. Metilfenidato: quem ganha?
A eficácia do fármaco no manejo de sintomas do TDAH vem sendo reforçada por novos estudos clínicos e meta-análises. A eficácia clínica da atomoxetina e metilfenidato são comparáveis em vários aspectos (veja exemplos aqui e aqui). Outros estudos sugerem efeitos similares desses fármacos em "regularizar" a atividade neuronal em regiões cerebrais impactadas pelo TDAH (veja aqui e aqui). Obviamente, os impactos no cérebro não são idênticos e mesmo alguns sintomas parecem ser melhores controlados com o metilfenidato (veja aqui e aqui).
Consequentemente, mesmo que a atomoxetina tenha vantagens claras de segurança em comparação ao metilfenidato, muito provavelmente esse último não vai parar de ser usado. Mas a prescrição de anfetamínicos e derivados poderá ser direcionada de forma mais racional a pacientes específicos, seja por perfil de sintomas ou resistência ao tratamento com a atomoxetina.
Além disso, a atomoxetina não é isenta de riscos (como qualquer fármaco, diga-se de passagem). Seu uso é mais associado a ideações suicidas em populações pediátricas ou com comorbidades psiquiátricas. Por isso, a avaliação cautelosa, caso a caso, é necessária.
Independente disso, o registro desse medicamento aumenta o arsenal de opções farmacológicas no manejo do TDAH. Em um cenário com poucas opções disponíveis, quem ganham são os as pessoas com TDAH.
Subscribed